Ouvir hoje algumas bandas filarmónicas, no nosso país, é reconfortante, porque elas nos estimulam a viajar no tempo em emoções pelo infinito do espaço em sequências de imagens e atmosferas que preenchem o nosso ego e alimentam um vazio de alma tantas vezes funesta e deprimente.
O virtuosismo fulgurante de alguns intérpretes, tempera os ingredientes necessários para se chegar ao que comummente consignamos chamar de criatividade impetuosa, que aliada a uma técnica portadora de agilidade e maleabilidade, poderá encontrar-se na arte em todo o seu esplendor e magnetismo.
As bandas que estiveram no Europarque no dia 18 de Abril, no II ciclo, 2ª edição sob o lema ”Filarmonia ao mais alto nível”, mostraram em alguns momentos pingos de lirismo poético, frescura e intensidade dramática, sem abdicarem de uma limpidez técnica e fraseados distendidos no tempo que nos fizeram sentir estarmos perante bandas militares com credenciais.
S. Tiago de Silvalde, Santa Marinha do Zêzere e Pinheiro da Bemposta, tocaram um repertório arrojado e de boa interpretação, demonstrando por vezes pormenores técnicos surpreendentes, mesclados de nobreza e maturidade. Vibrações dissimuladas em beleza imensa que nos chegavam directamente ao cérebro em lufadas de grandeza estética, remetendo para cada ouvinte simplesmente um único prazer: o prazer de ouvir.
Cada vez mais o trabalho das bandas filarmónicas é um empreendimento colectivo implicando mais directamente directores, maestros, músicos, mas também a sociedade civil e as câmaras municipais. Porém, o esforço e a capacidade de iniciativa dos directores das 3 bandas que estiveram em palco, devem merecer os maiores aplausos pela forma organizativa e artística com que as suas colectividades se apresentaram num auditório pleno de entusiasmo e desejo introspectivo de ouvir.
Momento altíssimo do espectáculo, foi o Concerto para Clarinete Solo com um solista ímpar chamado Justo Sanz. A sua arte e mestria mostraram a grandeza do clarinete (Selmer). Na sua execução, havia voz, uma respiração interior e uma técnica que espelhavam a dimensão artística e humana de um homem a quem os deuses da música devem partilhar muitos dos seus pensamentos e dons.
A Banda de Pinheiro da Bemposta não comprometeu e numa simbiose quase que perfeita, criou com Sanz uma curiosa e animada dialéctica. O maestro Américo Nunes simplesmente mostrou competência, experiência e muitos dotes artísticos aliados a uma verve gestual que outros maestros mais novos devem seguir.
Também Manuel Miján, catedrático do Real Conservatório Superior de Madrid, em saxofone, deleitou todo o auditório através de um som altamente qualificado e depurado, com um legato incandescente, cheio de paixão, energia rítmica e sensibilidade invulgares…assim nos brindou este grande e talentoso artista. O seu empenho emocional e domínio técnico ficaram retidos por vários momentos…
Filarmonia ao mais alto nível, deve-se tão só a um grande homem, figura habituada a cumulativos sucessos em todas as suas iniciativas. Mário Cardoso, é um caso único no nosso país, pelo seu gosto artístico reunindo à sua volta uma grande família filarmónica. Mário Cardoso é um empreendedor artístico a quem o país filarmónico deve prestar o justo tributo, reconhecendo-lhe uma trajectória de vida de amor inexorável às bandas de música. Incansável, prestável, cordato, atencioso, eficaz e amigo… ei-lo pronto e sorridente a resolver todos os pequenos detalhes e tarefas…
Nesta grande festa da música aplaudiu-se os 125 Anos de comemoração e memórias à grande família Selmer e ao seu director para a Península Ibérica, Manuel Fernandez bem como a outros artistas que quiseram honrar este festival com a auréola distinta da sua presença. A Selmer, é sem dúvida a grande referência mundial para saxofonistas, clarinetistas e trompetistas. O som destes instrumentos é único e tem contribuído para que a música seja hoje a linguagem poética da criação por excelência…
Também a Cardoso & Conceição tem sabido corresponder às expectativas dos músicos, procurando mostrar a sempre inovadora e revolucionária tipologia de cada instrumento no sentido de depurar a eficácia da paleta timbrica. A C&C nos seus 15 anos de comemorações tem feito um trabalho muito meritório e acreditamos que continuará a estar na vanguarda da inovação e bom gosto. Estes festivais muito lhe devem…
E que dizer do Quarteto de Clarinetes de Lisboa? Rigorosamente nada…ou melhor: estiveram irrepreensíveis. Encantando e divertindo, a sua música criou a mágica necessária na abordagem de um repertório do nosso tempo, onde nos deixaram pouco tempo para reflectir e actuar… excelente!
O mesmo aconteceu com o Quad Quartet (Quarteto de Saxofones de Aveiro) que diversificou no género e no estilo criando uma atmosfera diferente no programa que vinha sendo sendo seguido. Grandes artistas também.
António Menino e Tiago Menino, (Pai e filho respectivamente) acompanhados pelo Ensemble SELMER, sob a direcção de Victor Matos, criaram momentos de extraordinária beleza clarinetística. Este ensemble, ao que sei criado para esta celebração, deixou no Europarque uma aura de charme e encanto ao culminar a sua actuação com a Czardas de Pedro Iturralde, de novo a solo com Justo Sanz. Fantástico!
A Tuna Feminina da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, simpaticamente animou os vários momentos de repouso das bandas. Despretensiosa mostrou alegria e arte em interpretações carismáticas e por vezes explosivas.
Os tempos mudaram, as redes sociais transformaram as relações entre as pessoas, ao mesmo tempo que assistimos a novos relacionamentos e formas de convívio. Do mesmo modo, sentimos o medo e vemos crescer a ameaça da internet de forma camuflada e inalienável a um controlo a que os jovens e alguns adultos não conseguem libertar-se. A dimensão afectiva e ética dos nossos relacionamentos profundos está a esboroar-se inaplavelmente.
O convívio social através de uma prática musical adequada, apresenta-se como terapia ideal para combater o stress da vida quotidiana e reforça o elo entre as sociedades. O equilíbrio destas, é pois possível com uma boa prática musical e pela observância de um espírito de estreita entreajuda, colaboração e enriquecimento espiritual subjacentes aos valores morais e culturais que a música das filarmónicas confere.
Por isso é que estes festivais são tão importantes. Assim, o trabalho de quem está à frente é incomensurável e valioso. Bravo Mário!!!!!
Autoria: Adérito Silveira Maestro do Coral da Cidade de Vila Real aderito.silveira@hotmail.com |